"Houve um aumento expressivo: de 1,3 milhão
para 3,1 milhões de alunos em tempo integral entre 2012 e 2013. Mas com que
resultados? A que custos?", questiona João Batista Araújo e Oliveira
Em recente editorial,O Estado de S. Paulo tocou em
duas questões vitais na Educação: o Ensino médio e o Ensino de tempo integral.
A avaliação do mérito merece debate. Na discussão, um registro negativo e que
se refere à evasão dos Alunos no Ensino médio: há cerca de 64 mil estudantes a
menos nesse nível de Ensino e quase 16% dos jovens de 15 a 17 anos estão fora
Escola. Considerando que mais de 30% dos Alunos da mencionada faixa etária
ainda estão no Ensino fundamental, isso significa que pouco mais da metade
desses jovens está no Ensino médio.
A outra metade é constituída por adolescentes com mais de 17 anos. Mais uma
informação: quase 1/3 dessa etapa do Ensino é composta por classes noturnas,
período em que a evasão, a repetência e os custos são muito maiores e o
desempenho, muito menor. Trata-se de uma mistura de faz de conta como me engana
que eu gosto. A crise do Ensino médio não se limita à incapacidade do governo
federal de enxergar suas raízes. É a sociedade brasileira como um todo, e em
particular o setor produtivo, que se nega a enfrentar a realidade.
O Brasil é o único país do mundo que oferece apenas um tipo de Ensino médio: o
acadêmico, voltado para o vestibular. E, para isso, tem um currículo
monstruoso, inadequado e que reprova ou elimina mais de 40% dos Alunos que
ingressam nesse nível. O Ensino técnico – a vertente mais concorrida de Ensino
médio em todo o mundo–é relegado a segundo plano. Se um jovem quer cursar o
técnico, tem de fazer o Ensino médio ao mesmo tempo, sacrificando os dois
cursos, ou postergar o técnico, se sobreviver às agruras do médio.
O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), um destes
programas que brotam no lugar de políticas consistentes, vai tornando cada vez
mais distante o alcance de uma solução definitiva, pois adota o tradicional
sistema do “vem que te dou uma bolsa”. É inacreditável como o setor privado
custa a entender a importância de uma rede diversificada de Ensino médio e de
modalidades de formação profissional.
Tão importante quanto o conteúdo e as habilidades
técnicas, a formação profissional é, antes de tudo, formação de hábitos,
valores e atitudes,que preparam o Aluno para enfrentar o mundo do trabalho com
confiança. Para complicar, existe o Exame Nacional do Ensino médio (Enem).
Atualmente, apenas 1/3 dos participantes do Enem se
encontra no Ensino médio, o que revela que esse exame não cumpre sua função
original e atrapalha a busca de uma solução para o drama descrito. Mas seria
injusto culpar só o MEC pela miopia. Também neste caso as elites, e
destacadamente o empresariado, se omitem no debate sobre a questão, relutam em
examinar a experiência de outros países e a entender como a política atual do
Ensino médio é o exterminador do futuro para legiões de jovens.
O censo oferece todos os elementos para abrir uma
discussão sobre o tema. O editorial do Estadão fez o seu alerta. Cabe à
sociedade aprofundar o debate. Já a questão do tempo integral – que o referido
editorial considera positiva – também merece detalhamento. Será mesmo positiva?
Sem dúvida, houve um aumento expressivo: de 1,3 milhão para 3,1 milhões de
Alunos em tempo integral entre 2012 e 2013. Mas com que resultados? A que
custos? Para entender melhor a questão, precisamos do censo, mas também de
muito bom senso.
O fato central: se a equação atual para financiar o
Ensino em tempo parcial já é economicamente inviável, como pode ser bom para o
Brasil expandir o Ensino para o período integral, sem ter uma equação
econômico-financeira que assegure sua viabilidade? De nada serviram as lições
dos brizolões, Cieps e as recentes e inacabadas Creches-modelo? A equação para
financiar o Ensino atual em tempo parcial é inviável.
Os gastos com pessoal representam entre 60% e 90%
do custo total do Ensino. E isso se deve a ineficiências de legislação e de
gestão. O País paga dois Professores para cada turma de Alunos. Em tempo
integral,isso significaria quatro Professores por turma.
As Creches, que geralmente funcionam em tempo
integral, são insustentáveis economicamente e, da forma como operam, pouco
contribuem para seu objetivo. São meros depósitos de crianças. De onde sairão
os recursos para universalizar o tempo integral? A expansão que se vem fazendo
é típica do Brasil que não planeja, é atabalhoada, feita de puxadinhos.
Uma coisa é conviver 4 horas por dia com uma Escola
mais ou menos. Outra coisa é ficar ali o dia inteiro. É inviável fazer isso nas
Escolas e puxadinhos que estão por aí. Ensino de tempo integral requer uma
concepção integral do que vai ocorrer na Escola, infraestrutura adequada e
equação financeira sustentável. Nada disso está sendo pensado ou feito. A
expansão tem sido estimulada pelo governo federal de forma que subverte o
federalismo. No programa Mais Educação, as Escolas recebem incentivos
diretamente para se autodeclararem em tempo integral e a conta do que ficar
para trás é o que resta para prefeitos e governadores pagarem.
São puxadinhos e mais puxadinhos, aumento do
transporte Escolar urbano, aumento do custo de pessoal e de expectativas para
as quais já não há orçamento hoje. Imagine quando o sistema expandir para valer.
Até o momento, não existem evidências de que os puxadinhos do tempo integral
que andam por aí melhoram o resultado dos Alunos. Isso só ocorre quando é feito
de forma muito cuidadosa e bem planejada. E são exatamente essas exceções que
mostram que, na equação atual de legislação, direitos e ineficiências, será
impossível universalizar a ideia com os mesmos critérios. Ou seja,estamos
fomentando uma demanda que não pode ser atendida e, quando o for, terá de
esgarçar ainda mais o cobertor que já está curto. Certa vez perguntaram a
Gandhi o que ele achava da civilização ocidental. A resposta: “Pode ser uma boa
ideia”. O Ensino de tempo integral também.
Fonte: O Estado de S. Paulo (SP)